segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Do rei de copas

E naquele fervente minuto se intrometeu a razão, o raciocínio. Algo tão plausível. O que ele queria era um pouco mais de obrigado e menos dentes amarelos. Nada disso custava caro. Quando, ali parado, chegava a uma torturante imaginação que o deixava a beira de saber o que realmente o fazia estar naquele lugar. Mas não conseguia concluir o pensamento. Se nos coubesse aconselhar, falaríamos para não mais escutar. Deixar aos gritos um chefe insano. Suportar a dor de uma humilhação com um sorriso no canto da boca.
No fundo ele sabia que era para colidir de perto com um baralho de espadas. Ou seria um bando de canalhas? Na dúvida, já não o interessava mais solucionar nada. Passava os dias observando a mulher do café, amante do chefe. Uma mulher com cabelo amarelo cor de gema, barriga saliente, nádegas dignas de uma passista de escola de samba. Ela costumava mascar chiclete com a boca aberta, boca de lábios sempre vestidos com um batom vermelho tomate. Até parecia que ela achava isso um charme. Porém, até então, não estavam em suas certezas o fato de levantar a cabeça e contar o que via nos finais do dia a todos seus colegas. As dúvidas rondavam o seu setor, ele pensava em deixar os ingênuos pensamentos dos outros se concretizarem. Mas tudo isso não passava de um sei tudo, dentro de um sei nada.
Mas se tens uma porta aberta, tu preferes nem olhar quem chega por lá? Os gritos não aumentaram de timbre, apenas ficaram mais constantes. Cada vez menos concretos, agarrados no fio do egoísmo da autoridade. Ele, remoendo sua angústia, desistiu de ser um homem frouxo. Enquanto seu chefe discursava alguma teoria para lhe dizer que seu trabalho estava uma bosta, pois não bastava apenas dizer que estava uma bosta, ele levantou-se da sua cadeira e colocou as duas mãos sobre a mesa, apoiando-se. Olhou fixamente nos olhos do canalha e lançou:
- Comi tua amante ontem, ainda estava com o cheiro do café da tarde.
O silêncio predominou em sua sala, óbvio. Havia duas declarações extraordinárias em sua frase. A primeira era de que, realmente, o chefe tinha uma amante e era a loira do café. A segunda era de que o funcionário número um em humilhações havia pegado uma das mulheres do chefe. Uma forma sutil de se vingar, talvez. O moço, após sua declaração, pegou seu casaco que - estava sobre sua cadeira - e saiu porta afora, sem nem um tchau.
O chefe ficou com migalhas em centavos e uma risada furada. Seu medo de perder o trono, a gana de não parecer um bobo na frente dos outros. Virou as costas e não escutou os comentários, se tornou um infeliz rei solitário. Dessa majestade toda, o que ele levou pra casa?

4 comentários:

Anônimo disse...

a satisfação de deixar um emprego de bosta e comer a amante do chefe!
aquele tipo de coisas que não tem preço! qdo tiver um textinho legal, manda antes de postar, quem sabe não faço uma arte do texto!! manda lááá... beijos

Nanda Mayora disse...

espetacular este texto.
Adoreiiii....sei lá,me senti vingada,através das tuas palavras,saca????
muito bem,sua danada...cada vez melhor,em verso e prosa....

Anônimo disse...

Nathi, meu orgulho!

Rafael Martin disse...

orgulhei.